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Especialistas criticam declarações de Bolsonaro em pronunciamento sobre pandemia de coronavírus

Para médicos consultados presidente erra em se opor ao confinamento e à suspensão de serviços

Durante pronunciamento em cadeia de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro criticou uma série de medidas adotadas como forma de prevenir a transmissão do coronavírus. As falas na noite desta terça-feira (24) seguiram na linha de outras declarações suas, em que minimizou a pandemia:

— Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades, estaduais e municipais, devem abandonar o conceito de terra arrasada: a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa.

A reportagem repercutiu com três especialistas as falas do presidente, ditas durante gravação de 4min58s. Confira a seguir:

Pavor e histeria

Bolsonaro: “Grande parte dos meios de comunicação foi na contramão, espalhou exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com o clima totalmente diferente do nosso. O cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país”.

Para o diretor de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Luciano Goldani, o cenário atual, com medidas restritivas, não configura pânico ou histeria:

— As pessoas estão se comportando adequadamente, pelo menos em Porto Alegre. Não sei como está em outros lugares, mas não tenho visto nem em noticiários nacionais (situações de pânico ou histeria).

Sobre a cobertura jornalística, Alexandre Zavascki, diretor de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento, salienta que não espalha “sensação de pavor” como disse Bolsonaro.

— (Os veículos) estão retratando o que está acontecendo, analisando números certos, questionando o que tem de ser questionado e educando a população do jeito certo. O presidente parece não entender o problema e fica alheio a uma compreensão mais profunda — diz o médico.

Epidemiologista e coordenador de residência em infectologia no Hospital Universitário de Santa Maria, Fábio Lopes Pedro analisa que o pronunciamento “parece que foi um voo solo sem equipe técnica e em discordância com seus próprios ministros”:

— Henrique Mandetta está bem amparado, tem uma equipe técnica boa. Nós, profissionais, ficamos muito decepcionados porque esse tipo de declaração acaba fazendo mais histeria do que denunciando alguma.

Contaminação

Bolsonaro: “Noventa por cento de nós não terá qualquer manifestação caso se contamine”

Luciano Goldani afirma que não se tem dados sobre isso:

— Não sabemos qual o número de pessoas que realmente se infectaram e não tiveram sintomas. Sabemos bem a manifestação: 80% têm manifestação leve, e 20%, pesada. Quantas se infectaram e não desenvolveram (os sintomas) não tem como saber. Teria como fazer um levantamento com testes específicos para isso, mas o estudo não está sendo feito.

Alexandre Zavascki afirma que o número citado por Bolsonaro “não quer dizer nada”. 

— Temos diversas doenças graves em que o paciente passa sem sintomas. Dengue, zika e chikungunya têm uma gama enorme de infectados que só se descobre em testes mais investigativos. Ainda não sabemos quantos pacientes são assintomáticos — pontua. 

Fábio Lopes Pedro acrescenta: 

— Se 90% dos infectados não apresentassem sintomas, teríamos que considerar quase todo mundo como infectado. Tecnicamente, não tem como apontar.

Isolamento

Bolsonaro: “Algumas poucas autoridades, estaduais e municipais, devem abandonar o conceito de terra arrasada: a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa”.

Zavascki, do Hospital Moinhos de Vento, considera que o presidente não tem razão em questionar as medidas de contenção.

— Tudo é uma cadeia de transmissão. Crianças são infectadas, mesmo que não fiquem doentes. Elas transmitem a doença sem nem sentir sintomas. Se jovens estão expostos, podem pegar e passar (para outras pessoas) porque, em algum momento, terão contato com mais velhos. Fechar comércio é absolutamente necessário. Fechar cidades foi única medida capaz de frear a epidemia em países que conseguiram isso. Porto Alegre está adiantada, porque fechou precocemente — afirma.

O argumento é o mesmo de Goldani, do Hospital de Clínicas:

— É momento de fazer a contenção. Tirar as pessoas de circulação. Não faz sentido o ministério tomar medida de contenção e o presidente querer que as crianças voltem para a escola. 

Lopes, do Hospital Universitário de Santa Maria, acrescenta:

— Temos de ter senso coletivo para entender o que acontece e quais medidas precisamos seguir. Se tivéssemos testes, separávamos as pessoas que tem e não tem a doença e voltaríamos mais rápido à normalidade. Mas não há, então temos que fazer a contenção de todo mundo.

Caso pessoal

Bolsonaro: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”. 

Luciano Goldani lembra que o presidente, que tem 65 anos, faz parte do grupo de risco e, mesmo não tendo predisposição, pode desenvolver a doença de forma grave.

— Ele diz que é atleta, militar, tudo bem. Mas vimos na Itália que pessoas mesmo sem doenças antes desenvolvem sintomas graves e morrem. E outra: ele fez uma cirurgia recente. Não é tão agravante, mas ele tem uma saúde que inspira cuidados — salienta. 

Fábio Lopes Pedro acrescenta:

— Sintomas podem ser leves, mas não se pode dizer isso para uma população que vai depender de leito.

Já Alexandre Zavascki pondera que as declarações de Bolsonaro são contraditórias: 

— Primeiro, diz que tem que separar o grupo de risco, depois diz que, se o grupo de risco for infectado, não teria sintomas graves.

Cloroquina

Bolsonaro: “O FDA americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento da covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre esse remédio fabricado no Brasil”  

— A cloroquina tem resultados em laboratório matando o vírus, mas testando em humanos não alcança os mesmos efeitos. Até agora, os estudos são fracos e ainda não podemos tirar conclusões. O tempo de ter as conclusões definitivas depende do tamanho do estudo. Em 60 ou 90 dias, se pode ter algumas considerações — diz Zavascki.

Lopes segue na mesma linha:  

— A cloroquina foi testada apenas em seis pacientes nos estudos. Todos deram negativo e morreram. Além da análise do estudo, o protocolo é insuficiente. Aqui em Santa Maria, estamos usando em pacientes que mostram piora nos exames pelo quarto ou quinto dia, e nesses parece que funciona alguma coisa. Mas isso não é suficiente, depende de muitas variáveis e precisaria ser testado em um número maior de pacientes.

Para Goldani, a declaração foi dada “porque o Trump falou” e Bolsonaro “foi na carona”.

— É uma medicação que ainda está em estudo no mundo inteiro. Foi aprovada no uso de determinadas doenças como malária e outras não infecciosas, como lúpus. Ela está bem estudada nessas situações, mas no combate à covid-19 é fase de estudo — ressalta.

*Fonte: GaúchaZH

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